O Plano Nacional de Energia 2050 (PNE 2050), do Ministério de Minas e Energia, elencou como prioridade a expansão da geração elétrica a partir das hidrelétricas. A meta é ampliar a capacidade instalada de 98 GW para 168 GW até o final de 2030, e o documento destaca o aproveitamento das bacias hidrográficas da região Norte.
Será o próximo capítulo de uma novela antiga, cujo desfecho na maioria das vezes foi trágico. A usina de Balbina, no rio Uatumã, no Amazonas, construída nos anos 1980, é um entre tantos exemplos.
Em um estudo publicado em 2021, o pesquisador Thiago B. A. Couto, associado à National Geographic Society e ao Instituto de Meio Ambiente da Universidade Internacional da Flórida, demonstrou que as pequenas hidrelétricas da Amazônia são responsáveis pela perda de conectividade dos rios, impedindo que peixes migradores completem seus ciclos de vida.
“Comunidades indígenas e ribeirinhas dependem da pesca de espécies migratórias para seu sustento”, escreveu Couto. “Nove pequenas hidrelétricas no rio Juruena, afluente do Tapajós, em Mato Grosso, já afetam diversos povos, como os Enawenê-Nawê.”
Trata-se de um alerta importante, pois as pequenas usinas correspondem a 80% do total das 275 hidrelétricas instaladas na Amazônia. Seu licenciamento é menos burocrático e elas estão menos expostas às polêmicas habituais dos grandes empreendimentos.
Já Belo Monte, no rio Xingu, tornou-se um ícone da última década. Na região da cidade paraense de Vitória do Xingu, próxima a Altamira, a usina, em poucos anos de operação, destaca-se mais pelo passivo ambiental e social do que pela energia gerada, ainda que já tenha adotado o modelo fio d’água (run-of-the-river). Nele, as turbinas ficam no fundo do rio, na horizontal, a área alagada é menor e o volume de água que entra na usina é praticamente o mesmo que sai. Do ponto de vista ambiental, é menos impactante.
“O problema é que esse modelo não guarda água o suficiente. Fica muito vulnerável às secas extremas, o que ocorreu em 2021”, argumenta Jansen Zuanon. “Então, vai voltar a ter pressão para obras de novos reservatórios de acumulação, ou reservatórios em sequência, como no Tapajós.”
Para piorar, modelos climáticos apontam uma mudança no regime de chuvas, com mais escassez na parte oriental da Amazônia, justamente onde está Belo Monte. Para manter o mínimo de funcionamento de turbinas, alerta o pesquisador, será preciso desviar mais água da Volta Grande, a região de alto valor cênico alagada pela barragem.
Um monitoramento realizado pelo Instituto Socioambiental em conjunto com o povo Juruna avaliou o ciclo hidrológico recente do Xingu e aferiu, entre outros pontos, uma alteração na frutificação das plantas dos igapós locais. Com isso, escassearam os frutos que caem na água e servem de comida para tartarugas e tambaquis que, por sua vez, são um alimento dos moradores.
“Para os indígenas, a questão é básica: se não tem mais comida para os peixes, não tem mais peixes que lhes servem de comida”, conta a bióloga Camila Cherem Ribas, da Coordenação de Biodiversidade e do Programa de Coleções Científicas Biológicas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
O Madeira é outro gigante ameaçado pelos barramentos para a produção de energia. As enormes usinas de Jirau e Santo Antônio já operam perto de Porto Velho, em Rondônia, desde a década passada, e duas novas hidrelétricas constam no PNE 2050, em acordos binacionais com a Bolívia.
No Índice de Vulnerabilidade Ambiental às Represas (DEVI, na sigla em inglês), desenvolvido por Edgardo Latrubesse e outros autores, o Madeira desponta como o rio mais vulnerável da Amazônia. Um estudo do geólogo publicado na revista Nature, em 2020, aponta que, no total, 16 projetos de hidrelétricas ameaçam o alto Madeira.